Carlos Souza Yeshua*
O Brasil, até o ano de 1950, era um país
5ª Edição para Africa portuguesa |
prego, de educação, de saúde e a possibilidade de ascensão social. Atualmente, segundo dados do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mais de 80% da população vive na zona urbana.
Mesmo com a mudança do
campo para cidade, a maioria dos brasileiros tem uma memória afetiva
relacionada à Terra em que nasceram seus pais, avôs ou bisavôs, locais que muitos
costumavam passar as férias. É nesse ambiente de relações históricas e
familiares que se ambienta Cangalha
do Vento, do escritor
Luiz Eudes, obra que está na quinta edição e agora publicada pela Editora
Òmnira, para o continente africano, especialmente Angola e os demais países do PALOP
– Países de Língua Oficial Portuguesa.
Os contos da obra revelam as aventuras de
Aristeu, como o seu casamento com a prima Tereza,
o qual gerou descendentes que têm algo em comum: o amor pela Terra onde seus
pais nasceram e fixaram residência. A ligação com esse pedaço de chão, chamado Junco,
cravado no sertão da Bahia, onde se fincaram suas mais profundas memórias, é o
fio condutor de toda narrativa ficcional, uma história capaz de levar o leitor
a pensar na própria saga familiar.
A vida do patriarca Aristeu nunca foi fácil,
no entanto, não faltou a ele coragem para desbravar o desconhecido. Motivado
pela expectativa de transformar sua vida, ele se aventurou pela Floresta
Amazônica e sua cultura da extração de látex, além de ter conhecido a dura
labuta dos tropeiros ao trabalhar com transporte de cacau das fazendas até o
porto, em Ilhéus, antes de voltar para sua Terra e se dedicar a cuidar da
família, composta por uma dezena de filhos.
José
Paulo é quem dá continuidade à história da família, de modo que, assim como o
pai, se aventura pelo Brasil em busca de oportunidade de emprego. Conta,
inclusive, os motivos que o fizeram viajar para São Paulo, uma prática comum
ocorrida no Brasil durante o século XX, caracterizada como retirada dos
nordestinos em razão da seca, pois viam no polo financeiro do País a possibilidade
de não faltar o “pão de cada dia”. Em certo momento da vida, Paulo ouviu seu
coração e fez o caminho de volta, pois desejava se reestabelecer nas Terras em
que seu bisavô, Paulo Vieira de Andrade, chegara há cem anos, aproximadamente.
Outros filhos de Aristeu também têm suas
histórias narradas, como o boêmio, sindicalista e político Israel. E seu irmão
Juvêncio, que se tornou proprietário da Fazenda Baixa Funda, moradia que pertenceu
ao pai, local onde os irmãos foram criados e os seus filhos, por sua vez,
também. Fernando, filho de José Paulo, mantém a paixão dos “Aristeus” pelo Junco;
é nessa Terra que também escolhe construir sua família e preservar a memória
dos seus antepassados.
A novela, assim, tem dois personagens
centrais, que percorrem toda história: o Junco e a família de Aristeu. São eles
que conduzem o leitor por um Brasil cheio de idiossincrasias, lutas e resistências.
Por exemplo, a resistência do sertanejo que peleja contra a seca e o sistema
político perverso, que se alimenta da miséria do povo sem mover uma palha de
forma republicana para acabar com o sofrimento de brasileiros cujo sonho é
viver dignamente. O Junco, a migração para São Paulo e a escassez de chuva (a
qual resulta no sofrimento do Sertão) lembram o famoso livro “Essa Terra”, do
escritor Antônio Torres, e outro livro também ambientando no mágico Nordeste
brasileiro: “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos.
Em resumo, Cangalha do Vento é um livro
tocante, pois transporta o leitor para as lembranças das fazendas de seus avós e
dos pequenos povoados e cidades localizadas distantes das grandes metrópoles,
nos quais a vida passa de forma diferente. Mesmo quem não viveu a referida
experiência se conecta com sua ancestralidade, porque os ancestrais viveram e
lutaram para que seus descendentes pudessem estar onde hoje estão.
Dentre tantas frases marcantes encontradas no livro, destaco a do amigo de Fernando que, ao consultá-lo sobre uma poesia que escrevera como homenagem à sua amada Terra, o Junco, disse: “Que coisa mais poética é o interior!” Por fim, digo que a leitura de Cangalha do Vento é altamente recomendável. Afinal, a obra conta um pouco da história de cada um de nós, de forma que promove reflexões acerca da nossa própria existência.
*É
jornalista e escritor. Presidente da UBESC – União Baiana de Escritores. É autor dos livros: João Alfredo Domingues – pau pra toda obra: a
saga de um português em terras angolanas e brasileiras; Revolução pessoal – seu
próximo desafio. É organizador das antologias: Carta ao Presidente –
brasileiros em busca da cidadania (2012) e Carta ao Presidente – o que deseja o
brasileiro no século XXI (2010). Organizador do Dicionário de Escritores
Contemporâneos da Bahia – Ed. CEPA/2015.
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