2021 terceira edição |
RESULTADO:
1º LUGAR:
Pedro Franco do Rio de Janeiro/RJ-Brasil, com o conto:
GENTE FINA
Ele usava “pince-nez” e ela “lorgnon”. Ele via as
horas em Patek Philippe de bolso, ela as perguntava. Tinham títulos
universitários, tirados na Sorbonne, só que nunca trabalharam. Viviam de
rendas, deixadas pelas famílias. Eram primos de distante parentesco e tinham
muitos sobrenomes e se tratavam na intimidade por diminutivos. Não mais parentes.
Eram sociáveis e frequentavam ocasionalmente o Country. Riam dos escândalos no
"café-society" e dos que agora ganhavam dinheiro e pagavam para
aparecer nas colunas sociais. Detestavam política e não votavam, porque corriam
para Paris em épocas de eleição, ainda que julgassem muito interessantes as
democracias e os movimentos contra a fome em Bangladesh. Nunca procriaram, embora
achassem crianças bonitinhas. Liam os clássicos e citavam Joyce e Proust por
qualquer motivo. Foram envelhecendo com a mesma rotina e indo às festas das
pessoas bem nascidas. E os convites começaram a rarear. Evitavam enterros e
lugares da moda. Por fim morreram envenenados por gás. Suas mortes foram
percebidas, quando começavam a feder. O guarda noturno chamou a polícia, ao
sentir da rua cheiro de gás. E os empregados não avisaram? Estavam acostumados
a chegar pela manhã e encontrar a mansão do Jardim Botânico fechada. Os
patrões, bons porque pagavam bem, pouco falavam com eles e iam para a França,
sem avisar. Era recorrer a quem os representava e receber ordens. Fifi e Lulu estavam
vestidos a rigor, corpos em decomposição, caídos em bergeres, a cerca de três
metros uma da outra. Havia dois copos com restos de sonífero no champanhe
Cristal, com garrafa aberta. Não havia bilhete de despedida, ou testamento.
Também desparecera a fortuna. Naquele mês o saldo no banco era diminuto. Com a
venda da mansão se pagou empregados, últimas contas, imposto de renda e a firma,
que administrara os bens do casal por sessenta anos. Não deixaram dívidas, nem
saudades.
2º LUGAR:
Regina Ruth Rincon Caires de Araçatuba/SP-Brasil, com o conto:
ETERNO PESAR
No silêncio da madrugada, da outra casa,
parede-meia, eu conseguia ouvir desaforos sussurrados, choro abafado, gemidos
de dor. E isso acontecia recorrentemente.
No claro do dia, eu via um casal
normal, afora o olhar esquivo da mulher. Reticente, evitei a aproximação. Era o
comportamento costumeiro, não cabia invasão da privacidade. O relacionamento,
unidade blindada, pertencia somente aos envolvidos.
E, da crueldade velada, da violência reiterada, nunca ouvi pedido de socorro. Apenas o estampido.
MENÇÃO HONROSA:
Josafá Paulino de Lima de Campina Grande/PB-Brasil, com o conto:
AL BEDU
O corpo deitado. A boca seca costurada
num silêncio de pedra. A mão engelhada, tostada pelo sol. As unhas negras
ensebadas deslizavam feito lesma procurando luz. As tábuas velhas do barco,
incrustadas de piche, era a face podre do mundo. A mão direita exangue tateando
fragmentos esbranquiçados de ostras deixava rastro.
Na outra mão, a carta do último
beduíno. Aquele sábio que jamais seria visto e nem esquecido, mas que
permaneceria nele para sempre. Como pele.
Ainda era madrugada, a água batia
gelada respingando sobre a carta e o sol era apenas uma miragem tremulando no
horizonte esfumado.
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