Carolina é o Brasil hoje. |
Carolina
Maria de Jesus nasceu a 14 de março de 1914, em Sacramento/MG, cidade onde
passou a sua infância e adolescência, filha de negros. Carolina foi mãe de três filhos: João José de
Jesus, José Carlos de Jesus e Vera Eunice de Jesus Lima. Faleceu em 13 de
Fevereiro de 1977, com 62 anos de idade e foi sepultada no Cemitério da Vila
Cipó, cerca de 40 km do centro de São Paulo. Ex-catadora de papel, Carolina foi descoberta pelo jornalista Audálio
Dantas ao escrever uma matéria sobre a expansão da Favela do Canindé. Com pouca escolaridade,
favelada, mulher, negra e pobre, Carolina fez das obras um meio de denúncia
sócio-política, fez alí a
sua militância de vida.
Estudou pouco. Sua escolaridade vem de Sacramento,
onde foi matriculada em 1923, No Colégio Allan Kardec, primeiro Colégio
Espírita do Brasil, fundado em 31 de Janeiro de 1907, por Eurípedes Barsanulfo.
Naquela época, as crianças pobres da cidade eram mantidas no Colégio através da
ajuda de pessoas influentes. A benfeitora de Carolina Maria de Jesus foi à
senhora Maria Leite Monteiro de Barros, pessoa para quem a mãe de Carolina trabalhava
como lavadeira. No Colégio Allan Kardec Carolina estudou pouco mais de dois
anos. Toda sua educação formal na leitura e escrita advém deste pouco tempo de
estudos. Mesmo diante de tantas dificuldades, todas as mazelas, perdas e
discriminações que sofreu, por ser negra e pobre, Carolina revela através de
sua literatura a importância do testemunho como meio de denúncia sócio-política,
de uma cultura hegemônica e excludente.
A sua obra mais conhecida, e que teve tiragem
inicial de dez mil exemplares esgotados na primeira semana, e que já foi traduzida
em 13 idiomas nos últimos 35 anos é Quarto de Despejo, publicada em 1960. Essa
obra faz um resgate, ao mesmo tempo em que delata uma faceta da expansão
cultural brasileira, quando do início da modernização da cidade de São Paulo e quando
do começo da proliferação das “Comunidades
Carentes”, denominadas de: favelas. Uma
mostra cruel e perversa, pouco conhecida, pouco divulgada e muito enrustida,
resultado da neura que as elites vivenciam em tempos de perda de hegemonia,
perda de poder. Carolina Maria de Jesus também escreveu Casa
de Alvenaria (1961), Pedaços de Fome (1963), Provérbios
(1963) e Diário de Bitita (1982, póstumo) e a sua obra é um referencial importante para os
Estudos Culturais, tanto no Brasil como no exterior.
Essa
literatura é hoje as vozes subalternas oriundas dos anos 70/80. Essa é a
verdadeira literatura documentária de contestação, tal como ficou conhecida e
nomeada pelo jornalismo de denúncia dos anos 50-60. Pelos testemunhos
narrativos, que chegam ao novo século, atravessando décadas e como sempre
atuais e ganhando muita força.
Segundo pesquisas Quarto de
Despejo inspirou diversas expressões artísticas como à letra do samba
"Quarto de Despejo" de B. Lobo; como o texto em debate no livro
"Eu te arrespondo Carolina" de Herculano Neves; como a
adaptação teatral de Edy Lima; como o filme realizada pela Televisão Alemã,
utilizando a própria Carolina de Jesus como protagonista do filme
"Despertar de um sonho" (ainda inédito no Brasil); além dos livros: Casa de Alvenaria (1961), Pedaços de Fome
(1963), Provérbios (1963) e Diário de Bitita (1982, póstumo). e, finalmente, a adaptação para a série "Caso Verdade" da
Rede Globo de Televisão em 1983. Vou definir a sensibilidade solidária de uma
pessoa sofrida em uma frase de Carolina: “É preciso conhecer a fome para
saber descrevê-la”. E essa idéia pode ser ampliada. Para retratar a miséria e
suas mazelas, é preciso tê-las vivido e Carolina viveu isso! E contou com
riqueza de detalhes, como foi a sua “Via Crucis” em relatos emocionantes e com
severas críticas sociais ao sistema da época.
Apesar dos três filhos de pais diferentes, Carolina não se deixava seduzir
pelos homens que a procurava naquele ambiente cujos principais problemas, além
da pobreza, são: a promiscuidade e a bebida. Ela afirma, em diversas passagens,
que o que enobrece o ser humano, principalmente as mulheres, é o trabalho e o
estudo, não o casamento. Seu coração balançava entre dois moradores da favela,
Manuel e o Cigano. Confessava que embora tivesse uma simpatia maior pelo
Manuel, à descrição que ela fazia do Cigano é singular e uma das mais lindas
demonstrações de sentimentos que já foi encontrada na literatura brasileira.
Algo inigualável encontrado em um livro, cujo teor e único propósito era
retratar a miséria pela qual atravessou um ser humano. E que mesmo assim ainda
teve tempo de amar!
O livro é o diário
de Carolina, moradora da favela do Canindé, em São Paulo, que, nos anos 1950,
cata lixo para sobreviver e, assim, poder cumprir suas únicas ambições em vida:
ter o que dar de comer aos filhos e escrever. A autora do diário não apenas lê
e escreve como mostra lucidez e uma visão crítica, porém poética, das condições
de vida dos favelados. Carolina escreve sobre sua situação e a dos demais
moradores do Canindé. O objetivo, segundo a autora, era mostrar ao mundo, de
forma sensível, as condições em que viviam os favelados e o descaso dos
políticos, que só se aproximam dos mesmos em época de eleição... Até os dias de
hoje é assim! Plantar uma árvore,
ter um filho e escrever um livro segundo o poeta cubano José Martí são as três
coisas para se fazer dentro de uma vida permitida e Carolina fez muito mais... “Li
um pouco. Não sei dormir sem ler. Gosto de manusear um livro. O livro é a melhor
invenção do homem”. Carolina era isso e muito mais!
Roberto Leal
É jornalista e escritor
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