Quem escreve sabe o que diz! |
A federação e os sindicatos pretendem manter sua decisão até que o legislativo federal imponha novamente o diploma como requisito necessário para o ingresso na atividade jornalística. Um projeto de emenda constitucional que prevê essa medida tramita pela Câmara Federal, depois de passar pelo Senado. Quando a emenda for aprovada, as portas (porteiras ou jaulas) sindicais estarão abertas a quem atender a essa formalidade. Com ela, as entidades representativas, com seu obtuso e estúpido senso corporativo, restituirão o jornalismo brasileiro à era do AI-5. É muito fácil, hoje, sob a proteção das garantias e direitos individuais, atacar esse ato institucional, que completou no dia 13 de dezembro 45 anos de existência. E atacá-lo pelo que ele tem de mais nefando: a instauração de uma ditadura com base num texto que se pretendia legal, ainda que maculando o regime que dá força à letra da lei, a democracia.
Ingresso trancado... O decreto-lei que introduziu a exigência do diploma do curso superior de comunicação social como condição para o exercício da profissão de jornalista é filho natural do AI-5, ao qual se seguiu no espaço de apenas um semestre, no período mais negro da república brasileira. No mundo democrático, o único com imprensa para valer (nos regimes totalitários, de partido único, a imprensa é a voz do ditador), a entrada no jornalismo é livre. Qualquer um pode se apresentar e ser aceito.
Se o candidato tiver uma qualificação superior, em um curso decente, melhor. Afinal, estará mais qualificado do que um pretendente – digamos assim – leigo. A abertura, porém, é indispensável para absorver as vocações naturais ao jornalismo, o fluxo de talentos que nem sempre se adaptam ao mundo acadêmico. Como, para dar um único exemplo, Paulo Francis – e as centenas de bons jornalistas que já trabalhavam na imprensa antes dessa transformação totalitária de 1969 e continuaram na ativa depois. Na média, os melhores jornalistas do país até hoje.
É inconcebível que as entidades sindicais ainda se apeguem a esse formalismo, emerso do buraco negro do AI-5, com seu arcabouço de vilanias, para impor a unilinearidade (ou o trilho condutor) na formação de quadros para o jornalismo. É evidente que os taumaturgos do diploma de abre-te-sésamo (ou, de outra perspectiva, fecha-te-sésamo) queriam cerrar as portas para a brilhante geração de jornalistas (raros dos quais dotados de qualquer diploma universitário, o que era uma deficiência), formada à luz da redemocratização de 1946, a mais brilhante da história do jornalismo nacional, que tanto incomodou os donos do poder entre 1964 e 1968 – com sua inteligência, seu conhecimento, sua argúcia, seu humor, sua coragem e sua audácia.
Queria também colocar os candidatos a jornalistas na lata de sardinha em que se tornou a universidade brasileira depois de 1964, em especial do anódino e metafísico curso de comunicação social daquele tempo, cujo estereótipo (dotado de verossimilhança) era a “comunicóloga da PUC”, personagem criada por Jô Soares para a televisão. O sindicalismo que barra o ingresso aos seus quadros de profissionais, não só pretendentes a cargos na redação, mas os que já nela militam, é a outra face desse totalitarismo a que tanto, de boca, diz se opor. Aos que sustentam essa posição por desaviso, recomendo a leitura de um livro do grande jornalista K. S. Karol sobre o poder pós-revolucionário, aquele poder alcançado pela esquerda na antiga União Soviética e no leste europeu (na China e em Cuba também). Nessa sociedade não existia ou ainda não existe crítica. A que tenta existir é reprimida. A imprensa é o órgão do partido. A liberdade deixou de existir. E cabe lembrar: Karol era inquestionavelmente de esquerda.
Ao trancar o ingresso, os sindicatos de jornalistas violam a lei em vigor, que todos devem cumprir. Tem todo direito, que o regime democrático lhes confere, de achar a lei injusta e iníqua, e se empenhar por derrubá-la. Mas devem respeitá-la enquanto estiver vigente. Essa tática do fato consumado, recurso dos que não têm argumento, é ilegal. Para os que tomaram essa decisão, a moral está acima da lei. Mas a moral deles, não a moral coletiva. A moral da vanguarda, dos iluminados, dos escolhidos. Sabemos no que dá essa presunção.
País único... Um fato intriga: por que esses tantos candidatos à sindicalização se mantêm imobilizados e calados? Por que não pedem uma fiscalização do Ministério do Trabalho, que lhes fez o registro na carteira profissional, habilitando-os à atividade que escolheram? Por que não recorrem à justiça? Por que, ao menos, não protestam?
É porque muitos deles querem a carteira de identificação fornecida (por alto valor) pela FENAJ. Mesmo que, forçando a barra e o portão, venham a se sindicalizar, terão que enfrentar outra batalha para receber a carteira de identificação civil e profissional, que equivale ao registro geral. A FENAJ só atende espontaneamente aos que têm aquele pedaço de papel que, em boa parte dos péssimos cursos de jornalismo espalhados pelo país, com raras e honrosas exceções, é tido por diploma de habilitação.
Ledo engano, é claro. O engano, contudo, é escondido e no seu lugar se brada como verdade esse absurdo, que torna o Brasil o único país a exigir tal diploma para o exercício da profissão de jornalista. Esse Brasil dos sindicalistas corporativos. O Brasil do AI-5 que remanesce e renasce como erva daninha nesse setor vital da democracia. Não por acaso, aliás.
Lúcio Flávio de
Faria Pinto (Santarém, 23 de setembro de 1949)
é um jornalista e sociólogo brasileiro. É autor de diversos livros
sobre meio ambiente e Amazônia. Foi correspondente na região do jornal O Estado de S. Paulo e repórter dos
jornais O Liberal e A Província do Pará. Desde
1987, publica o Jornal Pessoal,
quinzenário individual que circula em Belém sem
qualquer tipo de publicidade, e que tem como diferencial em relação ao restante
da imprensa paraense o não alinhamento a nenhum dos grupos políticos e empresariais
do estado. Foi professor do curso de jornalismo da Universidade Federal do Pará.
Recebeu quatro prêmios Esso e dois Fenaj, da Federação Nacional dos
Jornalistas, que em 1988 considerou o Jornal Pessoal a melhor publicação do
Norte e Nordeste do país. Em 1997, ganhou o prêmio Colombe d'Oro per la
Pace, dado anualmente pela organização não governamental italiana Archivio
Disarmo a personalidades e órgãos de imprensa que tenham uma
contribuição significativa na promoção da paz. Ele venceu na categoria
"jornal".1 Em 2005, foi premiado com o Internacional Press
Freedom Award, da organização nova-iorquina Committe to Protect
Journalists (CPJ), dado a jornalistas que tenham se destacado na
defesa da liberdade de imprensa.
Qualquer um pode ser radialista? Se pode, seria um atalho caso a tal lei pleiteada vingar. Já que muitos radialistas "fazem as vezes de" jornalistas. Gostei da matéria.
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